terça-feira, 25 de março de 2008

sexta-feira, 21 de março de 2008

Homem vive em palheiro às portas de Viseu

É alcoólico. Perdeu-se da vida. Ou a vida perdeu-se dele. Tanto faz. Hermínio vive num palheiro, ou melhor, na metade do palheiro que lhe coube nas partilhas familiares. Tem 56 anos e há mais de 10 que conhece apenas o caminho de casa para os cafés da aldeia e dos cafés para o “jazigo” que lhe serve de morada. “Puseram-me aqui para morrer”, acusa.

Numa divisão que faz as vezes do quarto, da cozinha e da casa-de-banho, há roupa a secar numa corda. Ao canto, um fogão de campismo jaz sobre uma mesa. Mesmo ao lado, uma retrete que Hermínio cobre com uma caixa de papelão. Um frigorífico vazio enche o resto do compartimento. Em Lustosa, freguesia de Ribafeita, concelho de Viseu, toda a gente o conhece. Os habitantes locais habituaram-se, há muito, a vê-lo passar montado na sua motorizada a caminho de um dos cafés.

No “Central”, o proprietário defende-lhe a bonomia “quando não está com os copos”. Afirma já ter recusado servir-lhe vinho e que, nessas alturas, Hermínio se zanga com ele, desaparecendo durante semanas. “Até já quis levá-lo a Coimbra, ao Sobral Cid, para que ele se tratasse. Há mais de dez anos que ando a tentar”, queixa-se Amadeu Carvalho.

No balcão do café, a mulher de Amadeu, Ilda Ascensão vai servindo cafés e cálices de aguardente aos clientes que entram no estabelecimento. É raro o homem que, com o café, não beba um “cheirinho”. Enquanto organiza copos, chávenas e colheres, Ilda conta que houve uma rapariga de Águeda que veio atrás de Hermínio. “Gostava dele. Se ele tivesse deixado os copos, a rapariga teria ficado por cá”, diz.

Hermínio foi, em tempos, condutor de veículos pesados. Hoje vive do Rendimento de Inserção Social e dos favores dos vizinhos. Visitado frequentemente pelas técnicas de serviço social, é considerado um caso de risco. A população quer interná-lo. Ele não quer ser internado. Amadeu diz que mais dia, menos dia, se ele não for tratado, morre. “De cirrose, no resultado de uma zaragata, ou num acidente com a motorizada ”, prenuncia.

O muro da discórdia

Entretanto, no palheiro, Hermínio insurge-se contra o muro que divide a sua metade e a metade do irmão. Foi ele que construiu a parede, mas culpa o irmão de lhe roubar vinte centímetros de espaço.

Devido às desavenças entre os irmãos, Custódio Ferreira, presidente da Junta de Freguesia de Ribafeita, não pode recuperar o compartimento. “Chove lá como na rua. Queria dar-lhe condições de dignidade, mas assim não é fácil”, lamenta o autarca, que explica a dificuldade de candidatar o palheiro a um programa de reabilitação do município de Viseu. “O palheiro não é uma habitação e, se os irmãos não se entendem, eu não consigo fazer nada”, diz.

Se não houver soluções, Hermínio vai continuar a viver numa divisão em que se amontoam cama, mesa e retrete. E a tomar banho de regador. A água, saída do poço, corre-lhe fria pelo corpo, quer no Verão, quer no Inverno.