terça-feira, 16 de setembro de 2008

Cabanas de Viriato

A freguesia de Cabanas de Viriato vai estar em destaque no Anoitecer ao Tom Dela em Outubro, na quinta-feira, dia 23. O presidente da junta fala de promessas concretizadas e por concretizar, bem como de planos para a terra de Aristides de Sousa Mendes. Mas não só. Os ouvintes também têm voz na antena da Emissora das Beiras e, em directo, opinam e questionam sobre os destinos da freguesia. Esperamos pela sua participação. Na quinta-feira 30, a Sociedade Filarmónica de Cabanas sobe ao palco da rádio para falar da sua já longa história, assim como dos seus projectos. À filarmónica juntam-se outras associações. Na quinta-feira-feira seguinte, ou seja, dia 6 de Novembro, o Anoitecer ao Tom Dela recupera as vozes da freguesia e repete o programa. Para já, deixamos-lhe algumas fotografias da terra e das gentes de Cabanas de Viriato.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Terminação do Anjo

O que é a memória? É a memória uma reconstituição mais ou menos fiel da vida passada ou é uma invenção do acontecido? “Terminação do Anjo” é uma ficção sobre essa ficção que se chama memória. O autor, Daniel Abrunheiro, escreveu no Caramulo as páginas de um romance sobre um homem que entrega livros antigos em mão a coleccionadores. Um cliente, um livro. Mas há duas coisas a propósito de Camilo Ardenas, a personagem primordial do romance. Primeira: as pessoas que ele contacta morrem. Segunda: ele não se lembra de nada. Ele não tem consciência de não ter memória.
“Um estremeção mudo tirou o homem de entre os vivos. Camilo Ardenas, no assento da coxia, soube de imediato que à janela tinha passado a viajar um morto. O expresso da noite continuou a rolar com suavidade. Dentro, as luzes de presença aureolavam a galeria de cabeças adormecidas. Fora, a fronteira de chapa da auto-estrada exilava do País as matas e os casais. Os postes intermitentes alinhados ao longo das margens da via permitiram a Camilo confirmar o estupor congelado na cara do defunto: acima do protesto inutilizado na boca, os olhos muito abertos e o cabelo já quebradiço e desumano. Agiu com rapidez. Cerrou as pálpebras ao cadáver. Fê-lo com uma espécie de carinho frio. Esperou um pouco. Verificou o alheamento dos outros passageiros. Então, inclinado para o morto como um pássaro carnívoro, soergueu-lhe a lapela e retirou a carteira do bolso interior. Havia muito dinheiro na carteira. Guardou as notas, separando duas de vinte e uma de cinquenta. Devolveu as noventa coroas ao morto para que ele não amanhecesse sem recursos. Antes de repor a carteira no bolso do defunto, consultou-lhe a identidade terminada. O homem da janela tinha sido António Tomás Jesus Duque, casado, cinquenta e dois anos. Camilo Ângelo Dalva Ardenas, solteiro, quarenta e cinco anos, tirou do próprio bolso um lenço roxo de cambraia fina e limpou com escrúpulo o bilhete de identidade e a carteira. Não acreditava que a polícia procurasse impressões digitais na sequência de uma morte tão invejável e tão santa. Se, no entanto, procurasse, haveria de estranhar a falta de impressões – pensou Camilo. Mas não era importante. Foi pensando que fazer, como sempre. E, como sempre, sem pensar, por não poder já recordá-lo, no que estava feito. A vida tinha voltado a seguir viagem para descer no limite do destino. Por volta das seis da manhã, o expresso haveria ainda de parar na penúltima gare do percurso. Se o morto tivesse querido apear-se nessa paragem e se alguém tivesse bilhete para aquela janela, a descoberta do cadáver teria de acontecer antes de Camilo Ardenas estar a salvo. Se assim viesse a suceder, Camilo, o actor, acordaria então, unindo-se à surpresa, à consternação e até ao escândalo gerais da cena. O bilhete do defunto não haveria de contemplar o seu verdadeiro destino antecipado, apenas o nome terminal impresso debaixo do preço e da hora de chegada prevista. Mas Camilo Ardenas não quis repetir a operação de devassa. “Antes de estar a salvo de quê, que ridículo” – disse Camilo sem abrir a boca.”
….
“Muitas vezes lhe sucedeu na vida subir-lhe o coração à boca. Disse muitas coisas sem pensá-las primeiro em silêncio, sofrendo-as quando e enquanto lhe saíam da boca com pedacitos de coração agarrados às sílabas. Porque eram sempre verdadeiras e porque eram coisas que se pensavam a si mesmas. E também porque muitas vezes lhe custava respirar e viver ao mesmo tempo. António Tomás Jesus Duque era de bojo porcicolor, carão e sangue de cevado sanguíneo, comedor de lavagens finas e gordas e especiosas, tomador de vinhos negros e proteicos. Chegava à mesa como quem atinge um merecimento. Quando se ria, ria-se em camadas de gelatina num desdobramento de acordeão de sebo, melhorado pela certeza imediata da sopa em que estagnavam um naco de toucinho e um cano de farinheira. António Tomás, o comedor, era remunerado em comida pelo que prestava a Jesus Duque, o ourives. A leveza algo amaneirada do seu modo comercial, ao balcão como em viagem, apenas cedia à força da gravidade quando a homilia da refeição lhe resumia o mundo à área útil da mesa. Era então que ele pontificava, celebrando, em individualíssimo tabernáculo, o pão e o vinho através do bestiário chacinado para sua saciedade: a lânguida vaca, o porco antropológico, a servil galinha, o galo orgulhoso, o cristão borrego, a perdiz miniatural, o depressivo cavalo; do lado do mar, deitavam-se para ele o bacalhau patriótico, a santa sardinha, o carapau operário, o múltiplo polvo, o linguado fino, o fino tamboril, a marmota frita. António Tomás comia sempre por fora. Há muito se lhe volvera insustentável a percepção do imperecível nojo físico que, sem no querer, causava ao pau-de-incenso em que sua mulher se volvera havia muito, muito pouco depois disso parecido com o amor que arrasta uns e umas aos casamentos. Apropriada e certeiramente chamada Maria do Patrocínio, era uma mulher a quem até o ar livre parecia mal. Frígida que não frívola, com os anos enterrara-se viva nas criptas refrigérias e volitivas das igrejas. Abandonou marido e filhos às respectivas sortes de almas indomesticáveis. Adorava biologias e necrologias de santinhas civis urdidas pela padralhada rural para consumo da mitomania das lavouras mais berçãs, numa irmanação das pagelas ao borda-d’água. Oferecia-se, e era aceite, para limpar, lavar e encerar as casas paroquiais e as camaratas seminárias. Tornar-se amante de padres brancos como o linho litúrgico, como de facto aconteceu, não foi paradoxo de Deus nem tapete vermelhígneo que lhe estendesse o Porco Sujo, antes coerência de alma que usa o corpo para trepar as escadas do primeiro e último foguetão para o Céu.”
Em “Terminação do Anjo”

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Porca Ruça: a melhor amiga do Victor

Saracoteando as gordas ancas pela estrada fora, a porca Ruça segue atrás do dono. Vai ao café do ‘Francês’.
Escolhe, para isso, o passeio de terra batida. “O alcatrão magoa-lhe as patas”, explica Victor Tavares, o proprietário do animal que, há já quatro anos, escapa à tradicional matança do porco. Diz não ser capaz de matá-la e que “vai morrer de velha”.
No estabelecimento comercial, em Carvalhais, concelho de S. Pedro do Sul, ninguém estranha a chegada de Victor e da sua porca. “É como um cão. Segue-o para todo o lado”, dizem à porta do café e em toda a aldeia.
A habilidade da Ruça já chegou a ser motivo de aposta. “Um amigo meu não acreditava que ela anda atrás de mim para todo o lado e apostou 50 euros. A meio do caminho, desistiu”, conta Victor Tavares, que gosta de ver os animais à solta pela quinta. E, chamando a atenção para a cor rosada da Ruça, acrescenta: “É como com as pessoas: se tiverem liberdade, têm melhor cor”. Foi, aliás, por Ruça andar muitas vezes à solta, que Victor se deu conta de que a porca o seguia por toda a propriedade enquanto ele trabalhava. Os passeios pela quinta e por toda a aldeia tornaram-se uma rotina que já nenhum dos dois, nem ele nem ela, podem dispensar.
Está na hora do regresso dos dois a casa. O caminho é feito com lentidão. Inclui paragens. Ruça estanca à porta da morada do pai de Victor. Força o portão do curral. “Vai ver os filhotes”, comenta o dono, enquanto a ajuda a entrar para a loja onde se encontram leitões, galinhas e garnizés. A porca ronca aos filhos em jeito de cumprimento. É difícil fazê-la sair, de novo, para a rua. Victor apela, então, ao estômago de Ruça. Sem nunca usar de violência nem levantar nunca a voz, oferece-lhe ração dum balde que lhe coloca à frente do focinho. A porca segue-o.
Mais à frente, outra paragem. “É a casa do padeiro. Cheira-lhe a farinha”, explica o dono. Vagarosa, Ruça abandona a ombreira da casa do padeiro e faz-se ao caminho. Vai comendo as ervas do passeio. “ Anda, Ruça, que eu tenho de ir trabalhar”, pede Victor. Mais uns passos e ei-los em casa. Para que o animal entre no curral, existe um segredo só dos dois, até agora. “Tenho de entrar primeiro e chamá-la. Ela entra e fecho a porta. Depois, eu salto o portão”, ensina Victor.
Tudo indica que sempre assim vai ser. Até que a morte os separe.
Sandra Bernardo
Publicado no Jornal do Centro e na edição on line do Expresso em Fevereiro de 2008

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

O Céu da minha Rua

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Faço minhas as palavras dele

A propósito do livro "Terminação do Anjo", de Daniel Abrunheiro.
O Daniel Abrunheiro não é Chef de cozinha, mas escreve como se confeccionasse iguarias raras com as palavras, sentidos de paladares e ritmos temperados como especialidades marinadas de entristecimentos e euforias – daquelas que um condenado deve levar da última ceia para a forca e esquecer que o mundo acaba amanhã.
O seu último livro, Terminação do Anjo, é uma refeição completa. Podia-lhe acontecer como ao Alain Fournier depois de editar O Grande Meaulnes: desaparecer para sempre. Quer dizer, o legado de um imenso talento ficava cá. Nada mais lhe seria necessário escrever, criar, alinhar entre parágrafos ou biografar. Só que o Daniel não se ia assim como assim, de malas feitas e viagem antecipada. Era bem capaz de lançar ancora às asas de Camilo Ardenas e flutuar para onde nunca mais fosse visto. Mais tarde dir-se-ia que um livro os engolira aos dois.
«Chegou à cervejaria-marisqueira ao quarto para a uma e ofereceu-se aquele que só não era o seu maior prazer literário por ser, de facto e deveras, o único. A leitura, em verso livre, da ementa.
A primeira estrofe abria caldos, açordas e cremes. Um fio de ervas aromáticas doía uma dor fina través essas águas que ressumavam a higiene visceral do pescado. A ideia de moles moluscos partilhando a piscina quente da malga com fibra de peixes caldeirados tornava-se-lhe todo um cerrado monoideísmo de que só lograva largar-se a muito custo.
A segunda estância do cardápio alinhava uma tábua constitucional cujos artigos teriam nadado muito e muito antes de o poeta da ementa e de o cozinheiro seu declamador os terem fixado para sempre em substantivos de uma suculência inelutável: tamboril, robalo, linguado, cherne, dourada, salmão, salmonete, rodovalho, congro, safio, choco.
Já a este ponto da decifração da carta se tornara impossível a António Tomás pôr sopremo ao fervilhar das papilas gustativas, esse campo de morangos para sempre a que ele, desencabrestado de todo, propunha já a terceira canção.
Posto que a apoteose marinha não era solipsista, o poemenu descambava em carnificina: um rosbife túmido e mal passado como um beijo, uma região de vaca afrancesada o suficiente para que lhe chamassem chateaubriand, as costeletinhas de borrego escovado por uma caspa de limoeiro, o honestíssimo e jucundo lombo assado, o bife à Casa que era prego por cravar o cristão céu-da-boca e o agnóstico palato ao lenho da eternidade, o bife tártaro em hordas corredoras de estepes e a sempre moranga costeleta de novilho que, pelo cravo do vacum, muito ajudava a exilar a rosa porcum do poemário de cervejarias forradas por dentro a azulejo fresco como coração de viúva nova.
António Tomás abençoou, comendo durante, os bons préstimo de Jesus Duque e seus candelabros de prata e sua margem de lucro e seus candelabros de lucro e seu lucro que em prata davam tão boa margem de cervejaria-marisqueira. Os cubos de pão torrado bebiam sozinhos o creme de frutos-do-mar, permitindo-lhe para sempre a introspecção rápida do espumante gelado e a consequente extracção do cérebro pelo nariz como na técnica balsâmica dos faraós.Finíssimas fatias de presunto, bêbedas da poesia pura do puro sumo de melão, lavavam a boca entre as atrocidades dentais, das que menor não foi a ingestão, sem guarnições tolas de acréscimo, de um linguado de longitudinal fractura exposta à manteiga e à salsa, sentido o humílimo parentesco desta com o trevo-mijão.A toalha, branca de neve, dispunha anões solícitos e sete: a tacinha de estanho com o detergente digital ungido de limão químico; o recebedouro de caroços cuspidos sem banda sonora; o cinzeiro terminal para o cubano filosófico; o pratito quase proletário de manteigas de alho e queijitos de cabra em série; o guardanapo de linho pesado como um dote de arca ou um cinzeiro de grés; a chapa perfurada com o número da mesa; e a mão esquerda de António Tomás, que, sufocada até à gangrena pelo anel matrimonial, ourejava em vão o prol de um amor extinto.» em "Terminação do Anjo", de Daniel Abrunheiro

sábado, 9 de agosto de 2008

Filhos da Madrugada: Jacques Brel

(clicar no título para ouvir)
Rubrica emitida na Emissora das Beiras, de segunda a sexta, entre as 23h e as 24h.
Produção Anoitecer ao Tom Dela, realização Sandra Bernardo.

Filhos da Madrugada: Ella Fitzgerald

(Clicar no título para ouvir)
Rubrica emitida na Emissoras das Beiras, de segunda a sexta, entre as 23h e as 24h.
Produção Anoitecer ao Tom Dela, realização Sandra Bernardo.

Edição nona do programa Montanha Mágica, emitido na Emissora das Beiras, às quartas-feiras, entre as 0 horas e as duas da manhã

(Clicar no título para ouvir a primeira hora)
Programa produzido e realizado por Daniel Abrunheiro.

Edição nona do programa Montanha Mágica, emitido na Emissora das Beiras, às quartas-feiras, entre as 0 horas e as duas da manhã

(Clicar no título para ouvir a segunda hora)
Programa produzido e realizado por Daniel Abrunheiro.

Citação

“Estamos hoje mais pobres e pedem-nos para sermos optimistas, estamos hoje menos livres e pedem-nos para sermos optimistas, estamos hoje mais dependentes e pedem-nos para sermos optimistas, estamos hoje mais fracos e pedem-nos para sermos optimistas. Há algo de tão errado neste optimismo que só me reforça o pessimismo.”
José Pacheco Pereira in Abrupto

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

A arte dele é esmagadora: www.olhares.com/xptu. Confirme.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Cemitério de Viseu

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Nenhuma vida nos perdoará não termos vivido-a.
Bebido-a que seja ou fosse ou fora ou não tenha sido-a.
Nada nem ninguém nos perdoará nós não.
Um vento atravessa a sexta-feira: e nós, então?
(Daniel Abrunheiro)

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Folhas no Outono

©Sandra Bernardo

Mas que sei eu das folhas no outono

ao vento vorazmente arremessadas

quando eu passo pelas madrugadas

tal como passaria qualquer dono?

(Ruy Belo)

Os versos ainda não estão prontos, menina

©Sandra Bernardo

A beldade da minha vida é ter da tristeza a beleza.

É achar bonita a arqueocartografia de cada dia.

(Daniel Abrunheiro)

Olhar Perdido

e um olhar perdido é tão difícil de encontrar
como o é congregar ventos dispersos pelo mar
(Ruy Belo)

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Olhar para ver

Vale a pena dar aqui um salto demorado.

sábado, 26 de julho de 2008

Rostos de Viseu - Mercado Municipal

Fotografias: © Sandra Bernardo
Viseu, manhã de sábado, dia 26 de Julho de 2008