segunda-feira, 30 de junho de 2008

Armindo: um “anjo” da guarda

Quem o avista ao longe, julga tratar-se de uma autoridade: um agente da Guarda Nacional Republicana a pé e numa qualquer missão. Aproximando o olhar, no entanto, descobre que tudo na aparência de Armindo é falso. Tudo, menos o olhar azul de menino.

O aprumo dos militares dá lugar, em Armindo, a um corpo pequeno e frágil apertado numa farda improvisada e presa com arames. A autoridade dos agentes da GNR corresponde, em Armindo, à deficiente articulação das palavras e a um encolher de ombros quando lhe perguntam idade ou apelido. Até já foi preso por causa disso.

O enganoso guarda nacional republicano tem 44 anos e a idade mental de uma criança de seis. Há duas décadas que percorre incansavelmente os caminhos do concelho de Tondela disfarçado de guarda-republicano.

No quintal da casa onde vive com a mãe, na Portela de Santiago de Besteiros, na serra do Caramulo, este menino anacrónico junta calças, camisas, botas, boinas e distintivos oferecidos por antigos militares da GNR. A progenitora conta que o filho lhes pedia para que, quando morressem, lhe deixassem em testamento a farda. Depois, aguardava a chegada da morte dos vizinhos, como um menino travesso que anseia por um brinquedo que demora a chegar. “Às vezes, andava pela casa dizendo: nunca mais morrem…”, conta.

Quando não está “de serviço”, Armindo brinca com carrinhos em estradas desenhadas por ele no cimento com paus de giz branco. Os brinquedos espalhados pelo quintal, as vias de circulação com os traços contínuos e o tracejado para as ultrapassagens, as linhas ferroviárias construídas com vigas de ferro roubadas nas obras dão à casa a aparência de nela morar uma criança que tudo observa para depois reproduzir. E mora. Armindo é um menino fechado num corpo de homem maduro.

É o terceiro dos oito filhos de Hermínia Portela. Começou a balbuciar as primeiras palavras muito mais tarde do que os outros. Os primeiros passos foram difíceis e tardios. Os pais, preocupados, correram para Coimbra e Lisboa à procura de médicos que lhes dissessem o que tinha o seu “menino tão perfeitinho”. A resposta chegou quando Armindo completou três anos: “Nunca descobriram a causa. Suspeitaram de uma meningite, mas não nos deram a certeza. O certo é que Armindo não era igual às outras crianças”, diz Hermínia. E nunca mais foi.

Guarda para sempre

Quando entrou para a escola, começaram as crises nervosas. “Fazia avarias e nós tivemos de o tirar de lá”, lembra a mãe. Aos 11 anos, Armindo foi internado no hospital de Abraveses, em Viseu. Durante o período de internamento, assimilou regras e comportamentos que lhe têm sido úteis. “As crises foram passando, aprendeu a vestir-se, a comer sozinho e a fazer a higiene pessoal”, abona a progenitora, lamentando apenas que o filho tenha adquirido o hábito de beber. “Ele agora pega na pinga e os homens embebedam-no por divertimento”, expõe. E acrescenta: “ Tenho de ter o dinheiro fechado. Ele corre a casa toda à procura de moedas”. E as moedas são o único dinheiro que Armindo reconhece. Por vezes, para ganhar algumas trabalha no campo, ajudando uma vizinha.

Mas do que Armindo gosta mesmo é de vestir a farda e fazer-se ao caminho. No vão das escadas exteriores da casa encontra tudo o que é necessário. Veste a camisa azul-clara e as calças cinzentas. Põe a gravata azul-escura. Prende com arames as divisas. Como só tem um par de botas altas de cabedal, às vezes substitui-as por botas de borracha. Coloca o coldre feito por ele – pintou-o de branco para condizer com o cinto que lhe ofereceram. Pistola não tem, mas também ninguém repara. Como não lhe deixaram bastão nem pala, um cano de ferro pende-lhe da cintura. Faltam o barrete e os distintivos. Armindo vai variando. Umas vezes, usa um barrete deixado por um militar da GNR entretanto falecido. Outras, é o boné da Marinha que lhe cobre a cabeça. Os distintivos são mais difíceis de arranjar, por isso, Armindo trocou-os por emblemas dos bombeiros.

O retrato está pronto. Ninguém vai notar, de longe, que as calças lhe são demasiado largas. Que as camisas, nem sempre do mesmo tamanho, lhe descaem sobre os ombros. Que tudo está seguro por arames. À distância, parece uma autoridade. Mesmo para um militar da GNR desprevenido. E isso tem trazido problemas, tanto para Armindo como para a Guarda Nacional Republicana. Não raras vezes Armindo foi mandado estancar a marcha. Um dos irmãos já teve de se deslocar a Coimbra, à delegação da Polícia Judiciária, para resgatar o falso GNR. “ Dois elementos da PJ estavam em Campo de Besteiros em serviço quando viram o meu irmão a pé. Era de noite. Pensando tratar-se de um guarda, quiseram dar-lhe boleia. Como ele não respondia e não dava razão de nada, puseram-no no carro e levaram-no para averiguações”, conta.

Os processos em tribunal são mais que muitos. A GNR já lhes bateu à porta muitas vezes, exigindo que Armindo não circule assim vestido. Nada feito. Ninguém consegue mudar-lhe o hábito nem moldar-lhe a vontade. No posto da Guarda Nacional Republicana de Campo de Besteiros até já se habituaram. Todos os novos militares são avisados da existência deste improvável “camarada de armas”. Os agentes da autoridade queixam-se somente das zaragatas em que Armindo se envolve nos cafés quando o embebedam. Temem ainda que um dia seja atropelado, pois o “colega” anda a pé por todo o concelho. Já foram buscá-lo a quase todas as freguesias de Tondela.

Este menino de 44 anos é inofensivo. Os adultos que o rodeiam nem sempre são. Não raras vezes, a doença de Armindo é alvo de maldade. Quando o embebedam, por exemplo.

domingo, 29 de junho de 2008

Brilhante

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Alguém explica?

Roubado aqui, mas por motivos honestos.
Alguém por favor explique como se vai ensinar uma criança a escrever com a ortografia unificada do português (é assim que o Acordo Ortográfico lhe chama).
Alguém por favor explique como uma criança que já saiba escrever e que seja apanhada entre ortografias vai conseguir lidar com a insanidade acordortográfica a meio do seu percurso escolar.
Alguém por favor explique como se vai transmitir as noções cruciais de correcção e erro a um aprendente jovem da escrita.
Explico o meu problema. Quero perceber a razão de coisas deste tipo, quero saber como se explicam estas inexplicabilidades: COR-DE-ROSA escreve-se com hífen, por causa da consagração pelo uso, diz o AO, mas COR DE LARANJA escreve-se sem hífen, porque não. Que tem o uso a ver com ortografia? Se algumas pessoas passarem a conduzir sistematicamente pela esquerda ou a passar sinais vermelhos, algum decisor pensará em consagrar e permitir tais práticas como uso, em vez de manter a sua proibição como violações que são de um código em vigor?
Quantas vezes será preciso escrever mal até que os erros passem a ser “formas consagradas pelo uso”?
Como explicar a um miúdo de 12 anos que o seu uso na escrita quotidiana de sms ou de mensagens no MSN (ou similar) não consagra nada, apesar de o AO aceitar a supressão de H inicial quando consagrada pelo uso? Pelo uso de quem e onde?Como se explica a acentuação em coisas como as que se seguem?
PÁRA (verbo) deixa OBRIGATORIAMENTE de ter acento e escrever-se-á PARA, não se distinguindo da preposição PARA.
Mas PÔR (verbo) mantém OBRIGATORIAMENTE acento para se distinguir da preposição POR. PODE (pretérito perfeito) tem FACULTATIVAMENTE acento (PÔDE) para se distinguir de PODE (presente do indicativo).
FORMA (substantivo) tem FACULTATIVAMENTE acento (FÔRMA) para se distinguir de FORMA (verbo e substantivo).Mas ACORDO, ACERTO, CERCA, etc. (substantivos) OBRIGATORIAMENTE não têm acento e não se distinguem de ACORDO, ACERTO, CERCA, etc. (verbos). DEMOS (presente do conjuntivo) tem FACULTATIVAMENTE acento (DÊMOS) para se distinguir de DEMOS (pretérito perfeito).Mas PODEMOS (presente do indicativo) OBRIGATORIAMENTE não tem acento e não se distingue da forma PUDEMOS (pretérito perfeito).
E as formas com acentuação facultativa que o AO contempla AVERÍGUO, AVERÍGUAS, AVERÍGUA, ENXÁGUO, ENXÁGUAS, ENXÁGUA, DELÍNQUO, DELÍNQUES, DELÍNQUE, etc. dos verbos AVERIGUAR, ENXAGUAR, DELINQUIR? De que língua são? O que as distingue de certas formas incorrectas, muito correntes em Portugal, como FÁÇAMOS, PÓSSAMOS, TÊNHAMOS e SUPÔNHAMOS? E por que é que estas últimas não são então formas consagradas pelo uso?
Qual é a regra?
O que impedirá a mente criativa de crianças em idade escolar de gerar abdutivamente formas gráficas que nem a nova ortografia xenófila contempla? Os que as impede de FACULTATIVAMENTE introduzirem acentos circunflexos em palavras com Ê e Ô tónicos, se a nova ortografia unificada se baseia no princípio fonético, na consagração pelo uso e na facultatividade?
Como perceber o que é facultativo e o que é obrigatório? Como entender o que se mantém para distinguir e o que se não mantém apesar de distinguir? Como é que confusões destas contribuem para simplificar a ortografia portuguesa, outro princípio peregrino do acordismo? RACIONAMOS (pretérito perfeito) tem FACULTATIVAMENTE acento para se distinguir de RACIONAMOS (presente do indicativo). A vogal pré-tónica escrita A (o primeiro A) é fechada (na realidade, média).
FRACIONAMOS (pretérito) tem FACULTATIVAMENTE acento para se distinguir de FRACIONAMOS (presente). Tem também FACULTATIVAMENTE um C mudo — FRACCIONÁMOS ou FRACCIONAMOS (quatro formas correctas no total). Porquê? Porque no Brasil a consoante é pronunciada. Como no Brasil se escreve com C nós podemos escrever com C. E a vogal pré-tónica escrita A é aberta.
ACIONAMOS (pretérito) tem FACULTATIVAMENTE acento para se distinguir de ACIONAMOS (presente). OBRIGATORIAMENTE não tem um C mudo — ACCIONÁMOS ou ACCIONAMOS são erros ortográficos. Porquê? Porque no Brasil a consoante não é pronunciada: como no Brasil se escreve sem C em Portugal não se pode continuar a escrever com C. E a vogal pré-tónica escrita A também é aberta.
Se é possível escrever DECEÇÃO e RECEÇÃO com um P mudo FACULTATIVAMENTE — porquê? porque no Brasil se escreve com P — o que impedirá jovens estudantes de criarem formas analógicas como CORREPÇÃO ou INTERSEPÇÃO com P mudo, já que as formas actuais CORRECÇÃO e INTERSECÇÃO perdem OBRIGATORIAMENTE o C mudo e passam a ser erros ortográficos?
Repare-se que DECEÇÃO passa a ter um P mudo facultativo, não porque a letra E se pronuncie com vogal aberta (isso não tem importância nenhuma para os autores do Acordo, como eles próprios dizem — está escrito na Nota Explicativa do AO), mas porque no Brasil se escreve com P.
Ou seja, o meu P mudo, que até agora era euro-afro-asiático-oceânico e servia para indicar o timbre da vogal precedente, passará a ser brasileiro, e é por ser brasileiro e por não ser mudo na norma culta brasileira que eu vou poder continuar a escrevê-lo muda e ortograficamente em Portugal.
Alguém consegue explicar isto a miúdos de 10-12 anos apanhados entre ortografias? Para sabermos escrever bem em Portugal teremos de saber como se escreve bem no Brasil. Isto fará algum sentido para uma criança ou jovem em idade escolar ou para algum professor?
Alguém explique por favor como será um manual escolar unificado.
Haverá listas de formas com consoantes mudas facultativas e listas de formas com consoantes mudas proibidas? Com hífenes consagrados pelo uso e hífenes proibidos? Com acentos facultativos, obrigatórios e proibidos?
Terá de haver, forçosamente, pois não há discernivelmente regras que iluminem o uso da nova ortografia. Os professores, enquanto não conseguirem decorar essas listas, terão de andar sempre com elas debaixo do braço nas aulas e na correpção dos testes dos alunos.
Uma alternativa é o sábio conselho dos U2 de há quinze anos, nos tempos do Zooropa Tour: “WATCH MORE TV”. Ou seja, veja mais telenovelas brasileiras e aprenda português.
Os professores poderão FACULTATIVAMENTE ensinar as grafias que preferem? Cada professor e cada aluno escolherá a forma correpta que mais lhe agradar? Ou será por ano, ou por escola, ou por distrito?
E quando um professor fundamentalista que escreve Ps mudos (autorizados pela norma culta brasileira, bem entendido) faltar e for substituído por um professor fonético que não escreve Ps mudos? Muda a ortografia nesse dia na sala de aula?
E os encarregados de educação como farão para esclarecer os menores a seu cargo e os acompanhar nos seus estudos de português?
Aprender a escrever e a ler (que já agora, são coisas que o cérebro aprende separadamente) é uma tarefa portentosa e difícil, que requere a aquisição de hábitos, rotinas, regras, disciplina, repetição. Reiteração contínua de padrões, comportamentos e usos. Como se aprende sem estabilidade no processo de aprendizagem?
Quantas revisões da ortografia unificada se avizinham nos próximos anos para maximizar o princípio fonético, acompanhar o uso e unificar mais a acordortografia unificada?
Como foi possível chegar-se a este ponto em que se tem que explicar o obviamente inexplicável, e em que o obviamente inargumentável tem que ser argumentado ?
Que processo de involução cultural se abateu sobre nós que nos trouxe a esta conjuntura bizarra, em que o absurdo evidente do AO é que tem que ser explicado e demonstrado (como se não fosse evidente) e a sua não aplicação é que tem que ser justificada (como se ninguém percebesse o desastre que é)?
O colunista brasileiro Hélio Schwartsman escreveu sobre o AO, “quanto mais penso, mais fico revoltado. Toda a situação pode ser resumida como um conluio entre acadêmicos espertos e parlamentares obtusos.”
Não me satisfaz completamente, não explica tudo, mas faz algum sentido. É, pelo menos, um fragmento de explicação.
António Emiliano Linguista e filólogo Universidade Nova de Lisboa

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Barro negro de Molelos – Da tradição à modernidade

Molelos é terra de oleiros. A tradição do artesanato em barro negro está viva e de boa saúde. Aos artífices antigos têm-se juntado, ao longo dos últimos 20 anos, jovens oleiros que mantiveram vivos os costumes da terra. Neste momento, são sete os artesãos que se dedicam a tempo inteiro ao ofício. Entre aqueles que reproduzem o saber tradicional e os que procuram inovar, há um casal que se diferencia: Alexandra Monteiro e Carlos Lima partilham, há cerca de 20 anos, a existência e o fervor pela arte do barro negro. O lema é criar. Fazer novo. Fazer diferente. Carlos Lima tem 42 anos. É de Tondela. Andou pela ACERT nos primórdios da associação. Entusiasmou-se quando frequentou um curso de olaria organizado pela colectividade e, desde então, não mais deixou de amalgamar mãos, barro, roda e ideias. Passou por olarias onde aprendeu o processo de cozedura do barro numa ligeira cova escavada no solo chamada "soenga" usando lenha e caruma de pinheiro como combustível. Aprendeu como no final da cozedura se acrescentam ramos verdes ao forno tapando em seguida os orifícios de saída, provocando assim uma atmosfera carregada de carbono que se deposita sobre as peças e uma transformação físico-química dos óxidos metálicos das argilas devido ao monóxido de carbono. Aprendeu a brunir. A usar seixos do rio. Mas não era suficiente. Quis saber mais. Foi para Itália, onde frequentou um curso de cerâmica. Voltou para Molelos com ideias novas e na companhia da lisboeta Alexandra Monteiro que partilhava com ele o gosto pela olaria. Não têm conta os cursos que já frequentaram depois, de modo a aperfeiçoar técnicas. Não há dedos que contem as descobertas que têm feito juntos: a das peças que saem da roda para depois serem transformadas por mãos hábeis e criativas, a de estender o barro como se fosse massa, a das colagens, a da utilização do pó de talco no polimento da textura das peças. “Antigamente”, conta Alexandra Monteiro, “99 por cento das peças saíam directamente da roda e, agora, já fazem medalhas e fruteiras. Muitas peças eram deitadas foram porque rachavam na cozedura e, connosco, os outros oleiros aprenderam que, usando vinagre, as rachas podem ser tapadas”. “No entanto”, diz Alexandra Monteiro, “há descobertas que se fazem de forma solitária. Os materiais que vamos experimentando, as formas criadas ao passo da roda, as texturas que inventamos. Temos de ir tacteando até encontrar a forma que, afinal, estava na nossa cabeça.” Muitos têm sido os prémios conquistados pelo casal de oleiros. A recompensa tem chegado através de convites para participarem em feiras nacionais e internacionais. A mais recente levou-os a Barcelona. “Pela primeira vez”, anuncia Carlos Lima, “artesãos portugueses foram convidados a expor os seus trabalhos na Catalunha”.

Arte de tanoeiro viva em Campos de Besteiros

A arte da tanoaria é uma herança de família. José Godinho, o único tanoeiro do concelho de Tondela e um dos derradeiros do distrito de Viseu. Começou a fazer pipos com 14 anos. “ Cá em casa toda a gente fazia pipos. Éramos cinco e todos trabalhávamos”, diz o tanoeiro enquanto vai mostrando a oficina artesanal, em Campo de Besteiros. Pipos de vários tamanhos, uns terminados, outros por acabar, acumulam-se pela área de trabalho. Mas nem só de barris vive a arte da tanoaria. “Hoje em dia, já poucos pipos se vendem. Só para pequenos produtores de vinho”, diz. Para enfrentar os novos tempos, o tanoeiro dedicou-se, então, ao fabrico de peças decorativas. Das suas mãos nascem mesas, bancos, móveis de cujo interior sobressaem garrafinhas miniaturais, pequenos moinhos de madeira para colocar nos jardins. Tudo para, segundo ele, “manter vivo o legado dos pais, que muito trabalharam”. As marcas de uma vida de trabalho espreitam, aliás, no rosto da mãe do artífice. Vergada pelo peso dos anos e da muita labuta, Maria de Jesus, mantém, aos 85 anos, a lembrança de “tempos mais difíceis”. Tempos idos em que, “sozinha, a pé, e de pipos à cabeça, ia vender à feira de Tondela”. Aprendeu a arte para ajudar o marido e, quando ele adoeceu, foi ela que deitou mãos à obra para ganhar o sustento dos filhos. De sorriso sempre pronto, confessa que ficou “contente que o filho tenha mantido o legado da família”. E acrescenta: “ Já tenho um neto a aprender o ofício. Tem 28 anos e chama-se Adão como o meu marido”. Na história desta família de tanoeiros de Campo de Besteiros, no concelho de Tondela, há, segundo José Godinho, “um momento alto”. Foi contratado, durante a Expo 98, para fazer os pipos que adornaram a Caravela D. Fernando. No entanto, o tanoeiro considera-se “desprezado” pelo poder institucional. “Não há divulgação nem apoios”, acusa o artífice, sublinhando que tem ido a feiras mostrar o seu trabalho, “mas o custo das deslocações e estadia não compensa”. E remata: “Sem o apoio da Câmara Municipal de Tondela, não é fácil”. Sobre o futuro da arte da família, o herdeiro da arte de Adão Godinho não quer arriscar. Pai de duas meninas, não quer para as filhas o ofício de tanoeiras. “Não é para mulheres”, exprime. E explica: “Apesar de ser filho de uma tanoeira e de a família ter sobrevivido à custa da arte, não é esta vida que desejo para elas”.