Saracoteando as gordas ancas pela estrada fora, a porca Ruça segue atrás do dono. Vai ao café do ‘Francês’. Escolhe, para isso, o passeio de terra batida. “O alcatrão magoa-lhe as patas”, explica Victor Tavares, o proprietário do animal que, há já quatro anos, escapa à tradicional matança do porco. Diz não ser capaz de matá-la e que “vai morrer de velha”. No estabelecimento comercial, em Carvalhais, concelho de S. Pedro do Sul, ninguém estranha a chegada de Victor e da sua porca. “É como um cão. Segue-o para todo o lado”, dizem à porta do café e em toda a aldeia.
A habilidade da Ruça já chegou a ser motivo de aposta. “Um amigo meu não acreditava que ela anda atrás de mim para todo o lado e apostou 50 euros. A meio do caminho, desistiu”, conta Victor Tavares, que gosta de ver os animais à solta pela quinta. E, chamando a atenção para a cor rosada da Ruça, acrescenta: “É como com as pessoas: se tiverem liberdade, têm melhor cor”.
Foi, aliás, por Ruça andar muitas vezes à solta, que Victor se deu conta de que a porca o seguia por toda a propriedade enquanto ele trabalhava. Os passeios pela quinta e por toda a aldeia tornaram-se uma rotina que já nenhum dos dois, nem ele nem ela, podem dispensar. Está na hora do regresso dos dois a casa. O caminho é feito com lentidão. Inclui paragens. Ruça estanca à porta da morada do pai de Victor. Força o portão do curral. “Vai ver os filhotes”, comenta o dono, enquanto a ajuda a entrar para a loja onde se encontram leitões, galinhas e garnizés. A porca ronca aos filhos em jeito de cumprimento. É difícil fazê-la sair, de novo, para a rua. Victor apela, então, ao estômago de Ruça. Sem nunca usar de violência nem levantar nunca a voz, oferece-lhe ração dum balde que lhe coloca à frente do focinho. A porca segue-o.
Mais à frente, outra paragem. “É a casa do padeiro. Cheira-lhe a farinha”, explica o dono. Vagarosa, Ruça abandona a ombreira da casa do padeiro e faz-se ao caminho. Vai comendo as ervas do passeio. “ Anda, Ruça, que eu tenho de ir trabalhar”, pede Victor. Mais uns passos e ei-los em casa. Para que o animal entre no curral, existe um segredo só dos dois, até agora. “Tenho de entrar primeiro e chamá-la. Ela entra e fecho a porta. Depois, eu salto o portão”, ensina Victor. Tudo indica que sempre assim vai ser. Até que a morte os separe.