sexta-feira, 18 de julho de 2008

Take It With Me

eu não sei dizer, mas ela explica-te tudo.

Também volto sempre a esta voz, a este poeta, a este assombro

Porque volto sempre a este lugar, a esta voz

Tão maravilhoso

Porque sim

Rostos de S. Salvador, Viseu, Portugal

terça-feira, 15 de julho de 2008

Vaca arouquesa pariu três bezerros

Nasceram no dia 12 de Maio e são os "meninos dos olhos" de Olinda Gonçalves e do seu neto Roberto.

Os três bezerros, motivo de visita dos populares que vão "ver para crer" aquilo que consideram um fenómeno, até já têm nome: Rafaela, Bonifácio de Bostarenga, em homenagem a um vizinho de infância de Olinda que "era muito reguila", e Joaquim do Porrim, para lembrar um "pobre triste e honesto, mas muito pândego", que os pais de Olinda ajudavam.

Habituada a lidar com gado desde pequena, a dona da vaca arouquesa e dos seus rebentos nem queria acreditar quando, na manhã do dia 12 de Maio, começaram a nascer os vitelos. " A vaca começou com as dores e chamámos logo o veterinário. Depois de nascerem os primeiros dois, ele botou a mão para ver se havia mais alguma coisa. Até ficou amarelo quando sentiu o terceiro bezerro", conta, orgulhosa, a dona dos animais. "Não pensei que sobrevivessem. Andava tão aflita que nem dormia. Vinha vê-los às cinco da manhã", confessa.

Apesar de se queixar do "muito trabalho" que lhe dão os trigémeos, Olinda Gonçalves não cabe em si de contente. Sobretudo pelos netos, que não saem de lá de casa para poderem brincar com os bichos. Alimentados com o leite da mãe, os três irmãos bebem ainda do biberão que Roberto, o neto de Olinda Gonçalves, emprestou para os alimentar. "Mamam quatro biberões de manhã e quatro à noite", diz a agricultora, aproveitando para se queixar do atraso dos apoios do Estado: " Estou a dever dinheiro e não há meio de chegar o subsídio. As terras agora não dão nada", diz. Mas logo se esquece do dinheiro para voltar a falar dos "pequenitos" e da sua corajosa mãe. "Coitadinha. Nunca caiu. Aguentou-se. Os bezerrinhos é que eram muito pequenos quando nasceram, mas agora já estão mais gordinhos", conta.

Na localidade de Carvalhais, no concelho de S. Pedro do Sul, há agora autênticas romarias. Ninguém quer acreditar quando houve falar da vaca que pariu três vitelos. O certo é que, quando chegam ao quintal de Olinda Gonçalves, podem vê-los e deliciar-se com as cabriolices dos pequenos animais.

Veterinário vai realizar estudo

Fernando Delgado, veterinário e professor da Escola Superior Agrária de Coimbra, diz que os casos de nascimento de dois bezerro são relativamente vulgares. "Um parto triplo, porém, não é comum", diz o médico. E revela: "Na Escola Superior Agrária de Coimbra vamos tentar fazer um estudo genético e reprodutivo, acompanhando mãe e crias, visando essencialmente a cariotipagem (despitagem de possíveis alterações genéticas que possam explicar o fenómeno) e possíveis alterações hormonais".

sábado, 12 de julho de 2008

Conversa com Fausto Bordalo Dias

sexta-feira, 11 de julho de 2008

A Branca de Neve

Mais uma história infantil contada pela actriz Paula Coelho e produzida pelo Anoitecer ao Tom dela. (Clicar no título para ouvir)

A Bela Adormecida

História infantil contada pela actriz Paula Coelho, uma produção do Anoitecer ao Tom Dela.

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Rostos de Fragosela - Portugal

Gosto de pessoas Gosto de pessoas velhas, quando o adjectivo significa pacificação, sabedoria... Gosto de rugas
Gosto das marcas do tempo
Gosto do povo português
Gosto de nós quando não somos só tristes
Gosto de rostos
Gosto de mãos
Gosto de gente na soleira das casas

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Para a Sissi e para o Rui

A Senhora da Tabacaria

Para a Xelinha
Uma história de daniel Abrunheiro, por Daniel Abrunheiro, e sonorizada por José Eduardo Saraiva.(clicar no título para ouvir)

"A Esquina"

Uma história de daniel Abrunheiro, por Daniel Abrunheiro, e sonorizada por José Eduardo Saraiva.(clicar no título para ouvir)

terça-feira, 8 de julho de 2008

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Conversa com Mafalda Arnauth

domingo, 6 de julho de 2008

Bandas filarmónicas do distrito de Viseu

Das banda(s) de Penalva do Castelo

Em Portugal, não há festa que se preze que não inclua uma filarmónica. À passagem da banda, as janelas abrem-se de par em par, transeuntes param para vê-la passar, aficionados seguem atrás dela pelas ruas. Aprumados, os executantes seguem, em formatura, exibindo os seus instrumentos dourados e prateados. O naipe de metais à frente – bombardinos, fliscornes, trompetes, clavicornes, trompas, trombones, contrabaixos e tubas, todos instrumentos de sopro. O das madeiras na retaguarda – flautins, flautas, oboés, cornes ingleses, fagotes, contrafagotes, requintas, clarinetes e saxofones, ordenados da frente para trás e do mais grave para o mais agudo. No meio a percussão – caixas, pratos, bombos e liras mantêm, a compasso, a unidade rítmica do conjunto. A banda toca para as pessoas. A banda toca as pessoas. É assim em todo o País. É também assim em Penalva do Castelo.

Da história da banda

Com mais de 150 anos – não há certezas a respeito da data da sua fundação –, a Banda Musical e Recreativa de Penalva do Castelo nasceu à sombra da casa da Ínsua. Rezam algumas crónicas que, no ano de 1850, João de Albuquerque e Cáceres, fidalgo dessa casa senhorial, contratou José Maria Lopes para administrar a propriedade. Pessoa intimamente ligada ao ensino da arte musical, não como profissional mas como entusiasta e conhecedor da arte musical, o feitor propôs aos patrões ensinar música aos serviçais durante as horas vagas. Os fidalgos não só consentiram como compraram os instrumentos com que a banda passou a animar as ruas da vila, adoptando, então, o nome Filarmónica da Casa da Ínsua, com os músicos a ostentar na lapela da farda a Flor-de-Liz, símbolo dos Albuquerque. João Caetano da Fonseca músico da Banda do Regimento de Infantaria 14 de Viseu assumiu a regência da filarmónica da Casa da Ínsua, depois da morte do fundador. No País viviam-se tempos conturbados, com a monarquia a passar por um período de grande instabilidade. Em finais do séc. XIX, as correntes de pensamento Regeneradora e Progressista deram origem a dois partidos com o mesmo nome. Os ecos da situação política nacional repercutiram-se na banda, provocando uma ruptura e consequente divisão da filarmónica em duas facções: a Progressista, conhecida na terra como a Rabuda, por os executantes usarem uns “pendericos” na boina, e a Peniqueira, apelidada assim porque as boinas dos músicos “tinham a forma de um penico”. Todavia, estas desavenças foram de curta duração. Constituídas as duas facções por familiares que se misturavam, quer numa quer noutra, foram os laços familiares a promover a união, em 1885 segundo uns e em1891 segundo outros, fortificando as estruturas da banda. O filho do fidalgo João de Albuquerque Cáceres continuou a obra do seu pai, dando também grande incentivo à filarmónica, auxiliando-a materialmente com instrumentos e fardas, transformando-a numa banda organizada e cuja reconhecida competência profissional foi altamente classificada em certames musicais em que participou ao longo dos anos.

Integração da Banda Filarmónica de Penalva do Castelo na Legião Portuguesa

Devido às condicionantes políticas e sociais da época, a banda ingressou na Legião Portuguesa e tomou o nome de Banda Distrital da Legião Portuguesa, começando a ser dirigida pelo conhecido e distinto musicólogo Almeida Campos, tendo como subchefe António de Almeida Sales e como director Casimiro da Costa Martins. Ao longo dos anos, foi objecto dos mais diversos nomes, tais como Associação Instrutiva e Recreativa de Penalva do Castelo, Associação Musical e Recreativa de Penalva do Castelo e Banda Distrital da Legião Portuguesa de Viseu.

O 25 de Abril e a extinção da Legião Portuguesa

A filarmónica de Penalva esteve cerca de 40 anos ligada à Legião Portuguesa como banda distrital. Depois do 25 de Abril e com a extinção da Legião Portuguesa, termina uma das muitas etapas percorridas. A banda voltou a passar por alguns períodos difíceis e, nessa altura, com a multiplicação dos agrupamentos musicais ligeiros, sofreu um novo colapso. Não fosse a carolice de alguns, teria sido extinta. Consegue, novamente, sair da crise, tendo como regente o Padre Manuel Messias. Em 5 de Maio de 1977 foi constituída, por escritura pública, a Banda Musical e Recreativa de Penalva do Castelo. Desde então, muitas foram as equipas que dirigiram a filarmónica. Entre 1978 e 1979, foi Sérgio Ferreira Eusébio, emigrante regressado da América, que orientou os destinos da instituição. De 1980 a 1981, Alexandre Ferreira da Cruz, um elemento da Guarda Nacional Republicana, foi o nomeado. A presidência mudou de novo em 1982, com o industrial José de Frias Clemente a assumir o cargo até 1983. Em 1984, a banda sofreu novas eleições, tendo como resultado a nomeação de António José Pires, professor do ensino básico, que se manteve no lugar de presidente até 1997. Em 1998 houve novo sufrágio, que colocou António Maria Silva, professor de música, na cadeira da presidência durante um ano. A partir do ano 2000, foi Gabriel de Albuquerque Costa quem presidiu à direcção da filarmónica até 2004. A banda entrou, nessa altura, num vazio directivo que durou cerca de um ano, tendo sido criada, em Janeiro de 2005, uma comissão administrativa composta apenas por músicos e liderada pelo actual presidente da direcção, Anselmo Sales, que ganhou as eleições no mesmo ano.

De casa em casa

Também as sedes da instituição foram mais que muitas, chegando a haver uma que se desmoronou sem nunca receber a actuação da filarmónica. A Banda Musical e Recreativa de Penalva do Castelo ensaiou na antiga Casa do Povo, no rés-do-chão de uma casa particular, num pré-fabricado, num armazém e numa escola. A actual sede começou a ser construída em 1993, sendo apenas inaugurada em 2005 pela actual direcção, depois de sofrer novas obras. Contudo, a filarmónica de Penalva do Castelo tem hoje uma casa digna onde funcionam os ensaios e os espectáculos da banda e uma escola de música, que ensina às crianças e jovens do concelho de Penalva aquela que é considerada a primeira das sete artes. Dificuldades financeiras Durante a sua existência, a banda passou por momentos de grandes dificuldades económicas, chegando quase à extinção. É conhecida em Penalva do Castelo uma história acerca de uma fase do seu declínio. Segundo se conta, foi entre 1932/36, período em que o País atravessava também inúmeras dificuldades de ordem política e social. Uma das causas apontadas para a decadência da filarmónica foi a dificuldade de substituir os elementos que emigravam para o estrangeiro em busca de melhores condições de vida. A banda ficou reduzida a poucas figuras e havia cada vez mais atritos entre os raros músicos que restavam. A filarmónica estava agonizante e, para muitos, morta, faltando apenas enterrá-la. Então, numa Terça-feira de Carnaval, organizou-se um grupo com a finalidade lhe fazer o enterro. O grupo percorreu a vila sob o olhar acabrunhado da maioria da população. “A cerimónia fúnebre estava completa: caixão, padre, caldeirinha da água benta (...). Um pano preto envolvia o caixão, dizendo ‘ Pela alma da Banda de Castendo’. Os músicos que restavam, velhos e novos, uniram-se durante a noite e, ao romper da aurora, na quarta-feira de cinzas, a Banda de Castendo ressurgiu e fez com que todos os Penalvenses saíssem à rua para aplaudi-la”, como consta dos arquivos da instituição. Actuações em Portugal A primeira actuação fora de Penalva do Castelo data de 1904, ano em a banda participou no Festival Musical da Figueira da Foz, onde se reuniram doze filarmónicas. E a estreia não poderia ser melhor, já que conquistou o primeiro prémio. Do ano de 1949, existe uma fotografia tirada no Buçaco, possivelmente por se ter realizado alguma actuação, mas não há informação específica. O dia 6 de Janeiro de 1954 foi um grande momento para Penalva do Castelo e para a sua banda, que com a respectiva actuação engrandeceu a inauguração do Hospital da Misericórdia da vila. No dia 26 de Setembro de 1954, outro momento alto desta colectividade: participou num concerto na Feira de S. Mateus, que, segundo alguns jornais da época, foi muito elogiado pelo público, quer pelo seu reportório diversificado, quer pela perfeição da sua execução. No dia 11 de Outubro de 1997 participou no 1º Encontro de Bandas Civis de Belas. A 15 de Novembro de 1998 tomou parte no II Encontro de Bandas Filarmónicas. No dia 10 de Setembro de 2000 participou no Encontro Distrital de Bandas Filarmónicas. E a 4 de Novembro de 2000 foi convidada a participar no XXIII Encontro de Bandas Civis em Abrantes.

Internacionalização da banda

Em 1979, verificou-se a internacionalização da Banda Musical e Recreativa de Penalva do Castelo com uma viagem aos Estados Unidos da América, entre os dias 8 e 26 de Junho, incluída nas Comemorações do dia 10 de Junho, Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades. A deslocação aos Estados Unidos da América foi promovida pelos Amigos de Penalva, radicados na Nova Inglaterra. A filarmónica contou com a presença de trinta e três músicos, do seu regente padre Messias e do dirigente Alexandre Cruz. Entre outras actuações, deslocaram-se a Cumberland (actualmente geminada com a vila de Penalva do Castelo), a Powtuckey, a Providence e ao Connecticut. O ano de 1992 foi outra data muito importante para o reconhecimento internacional da filarmónica de Penalva: recebeu o convite para se deslocar a Espanha, à cidade de Teruel, incorporada nas festividades comemorativas do aniversário do casamento de D. Duarte e de D. Teresa, sob o título genérico VIII Muestra Internacional de Folclore . Com uma semana dedicada à cultura portuguesa, a Banda Musical e Recreativa de Penalva do Castelo representou Portugal e mereceu referências elogiosas dos espanhóis, tendo tido honras de transmissão televisiva. Em 2000, foi convidada a realizar uma viagem ao Brasil entre 30 de Novembro e 15 de Dezembro. Esta visita foi realizada a convite da Casa de Viseu, no âmbito do V Centenário da Comemorações do Descobrimento do Brasil. Da banda do presente Actualmente a Banda Musical, Recreativa e Cultural de Penalva do Castelo conta com cerca de 40 elementos músicos, entre os oito e os 60 anos, tendo atingido o número máximo com 46 elementos, que continuam a preservar a cultura popular portuguesa e a divulgar e honrar o nome de Penalva do Castelo.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Retratos

A Sininho entrou para a família há cerca de um ano. Fazia parte da ninhada de uma gata que vadiava pelas ruas de Repeses, freguesia do concelho de Viseu. A filha de Cármen comoveu-se ao vê-la “tão pequenina, tão branquinha, e tão esfomeada”. Levou-a para casa. A preocupação invadiu-a, no entanto, no caminho de regresso ao lar. “Como é que a Boneca ia reagir? perguntava-se. A cadela era dona e senhora da casa partilhada por mãe e filha. Habituada a todas as atenções por parte das donas, a “bicha com certeza não reagiria bem a esta invasão de propriedade”. Chegada ao segundo andar da vivenda, mostrou, a medo, a gatinha à Boneca. Para espanto das duas mulheres, a cadela adoptou, desde logo, a Sininho, tornando-se a partir desse momento a guardiã da pequena. Agora, é vê-las ao sol nas escadas da vivenda. Ao contrário do que seria esperado, é a Sininho quem está presa por uma trela. “A gata habituou-se a andar de trela por causa de ver a cadela”, conta Cármen, a mãe de Laura, que costuma passear os dois animais pelas ruas da povoação. Ao fundo das escadas, a Sininho brinca com as grades do portão. Sempre vigiada pelos olhos protectores da Boneca.

segunda-feira, 30 de junho de 2008

Armindo: um “anjo” da guarda

Quem o avista ao longe, julga tratar-se de uma autoridade: um agente da Guarda Nacional Republicana a pé e numa qualquer missão. Aproximando o olhar, no entanto, descobre que tudo na aparência de Armindo é falso. Tudo, menos o olhar azul de menino.

O aprumo dos militares dá lugar, em Armindo, a um corpo pequeno e frágil apertado numa farda improvisada e presa com arames. A autoridade dos agentes da GNR corresponde, em Armindo, à deficiente articulação das palavras e a um encolher de ombros quando lhe perguntam idade ou apelido. Até já foi preso por causa disso.

O enganoso guarda nacional republicano tem 44 anos e a idade mental de uma criança de seis. Há duas décadas que percorre incansavelmente os caminhos do concelho de Tondela disfarçado de guarda-republicano.

No quintal da casa onde vive com a mãe, na Portela de Santiago de Besteiros, na serra do Caramulo, este menino anacrónico junta calças, camisas, botas, boinas e distintivos oferecidos por antigos militares da GNR. A progenitora conta que o filho lhes pedia para que, quando morressem, lhe deixassem em testamento a farda. Depois, aguardava a chegada da morte dos vizinhos, como um menino travesso que anseia por um brinquedo que demora a chegar. “Às vezes, andava pela casa dizendo: nunca mais morrem…”, conta.

Quando não está “de serviço”, Armindo brinca com carrinhos em estradas desenhadas por ele no cimento com paus de giz branco. Os brinquedos espalhados pelo quintal, as vias de circulação com os traços contínuos e o tracejado para as ultrapassagens, as linhas ferroviárias construídas com vigas de ferro roubadas nas obras dão à casa a aparência de nela morar uma criança que tudo observa para depois reproduzir. E mora. Armindo é um menino fechado num corpo de homem maduro.

É o terceiro dos oito filhos de Hermínia Portela. Começou a balbuciar as primeiras palavras muito mais tarde do que os outros. Os primeiros passos foram difíceis e tardios. Os pais, preocupados, correram para Coimbra e Lisboa à procura de médicos que lhes dissessem o que tinha o seu “menino tão perfeitinho”. A resposta chegou quando Armindo completou três anos: “Nunca descobriram a causa. Suspeitaram de uma meningite, mas não nos deram a certeza. O certo é que Armindo não era igual às outras crianças”, diz Hermínia. E nunca mais foi.

Guarda para sempre

Quando entrou para a escola, começaram as crises nervosas. “Fazia avarias e nós tivemos de o tirar de lá”, lembra a mãe. Aos 11 anos, Armindo foi internado no hospital de Abraveses, em Viseu. Durante o período de internamento, assimilou regras e comportamentos que lhe têm sido úteis. “As crises foram passando, aprendeu a vestir-se, a comer sozinho e a fazer a higiene pessoal”, abona a progenitora, lamentando apenas que o filho tenha adquirido o hábito de beber. “Ele agora pega na pinga e os homens embebedam-no por divertimento”, expõe. E acrescenta: “ Tenho de ter o dinheiro fechado. Ele corre a casa toda à procura de moedas”. E as moedas são o único dinheiro que Armindo reconhece. Por vezes, para ganhar algumas trabalha no campo, ajudando uma vizinha.

Mas do que Armindo gosta mesmo é de vestir a farda e fazer-se ao caminho. No vão das escadas exteriores da casa encontra tudo o que é necessário. Veste a camisa azul-clara e as calças cinzentas. Põe a gravata azul-escura. Prende com arames as divisas. Como só tem um par de botas altas de cabedal, às vezes substitui-as por botas de borracha. Coloca o coldre feito por ele – pintou-o de branco para condizer com o cinto que lhe ofereceram. Pistola não tem, mas também ninguém repara. Como não lhe deixaram bastão nem pala, um cano de ferro pende-lhe da cintura. Faltam o barrete e os distintivos. Armindo vai variando. Umas vezes, usa um barrete deixado por um militar da GNR entretanto falecido. Outras, é o boné da Marinha que lhe cobre a cabeça. Os distintivos são mais difíceis de arranjar, por isso, Armindo trocou-os por emblemas dos bombeiros.

O retrato está pronto. Ninguém vai notar, de longe, que as calças lhe são demasiado largas. Que as camisas, nem sempre do mesmo tamanho, lhe descaem sobre os ombros. Que tudo está seguro por arames. À distância, parece uma autoridade. Mesmo para um militar da GNR desprevenido. E isso tem trazido problemas, tanto para Armindo como para a Guarda Nacional Republicana. Não raras vezes Armindo foi mandado estancar a marcha. Um dos irmãos já teve de se deslocar a Coimbra, à delegação da Polícia Judiciária, para resgatar o falso GNR. “ Dois elementos da PJ estavam em Campo de Besteiros em serviço quando viram o meu irmão a pé. Era de noite. Pensando tratar-se de um guarda, quiseram dar-lhe boleia. Como ele não respondia e não dava razão de nada, puseram-no no carro e levaram-no para averiguações”, conta.

Os processos em tribunal são mais que muitos. A GNR já lhes bateu à porta muitas vezes, exigindo que Armindo não circule assim vestido. Nada feito. Ninguém consegue mudar-lhe o hábito nem moldar-lhe a vontade. No posto da Guarda Nacional Republicana de Campo de Besteiros até já se habituaram. Todos os novos militares são avisados da existência deste improvável “camarada de armas”. Os agentes da autoridade queixam-se somente das zaragatas em que Armindo se envolve nos cafés quando o embebedam. Temem ainda que um dia seja atropelado, pois o “colega” anda a pé por todo o concelho. Já foram buscá-lo a quase todas as freguesias de Tondela.

Este menino de 44 anos é inofensivo. Os adultos que o rodeiam nem sempre são. Não raras vezes, a doença de Armindo é alvo de maldade. Quando o embebedam, por exemplo.

domingo, 29 de junho de 2008

Brilhante

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Alguém explica?

Roubado aqui, mas por motivos honestos.
Alguém por favor explique como se vai ensinar uma criança a escrever com a ortografia unificada do português (é assim que o Acordo Ortográfico lhe chama).
Alguém por favor explique como uma criança que já saiba escrever e que seja apanhada entre ortografias vai conseguir lidar com a insanidade acordortográfica a meio do seu percurso escolar.
Alguém por favor explique como se vai transmitir as noções cruciais de correcção e erro a um aprendente jovem da escrita.
Explico o meu problema. Quero perceber a razão de coisas deste tipo, quero saber como se explicam estas inexplicabilidades: COR-DE-ROSA escreve-se com hífen, por causa da consagração pelo uso, diz o AO, mas COR DE LARANJA escreve-se sem hífen, porque não. Que tem o uso a ver com ortografia? Se algumas pessoas passarem a conduzir sistematicamente pela esquerda ou a passar sinais vermelhos, algum decisor pensará em consagrar e permitir tais práticas como uso, em vez de manter a sua proibição como violações que são de um código em vigor?
Quantas vezes será preciso escrever mal até que os erros passem a ser “formas consagradas pelo uso”?
Como explicar a um miúdo de 12 anos que o seu uso na escrita quotidiana de sms ou de mensagens no MSN (ou similar) não consagra nada, apesar de o AO aceitar a supressão de H inicial quando consagrada pelo uso? Pelo uso de quem e onde?Como se explica a acentuação em coisas como as que se seguem?
PÁRA (verbo) deixa OBRIGATORIAMENTE de ter acento e escrever-se-á PARA, não se distinguindo da preposição PARA.
Mas PÔR (verbo) mantém OBRIGATORIAMENTE acento para se distinguir da preposição POR. PODE (pretérito perfeito) tem FACULTATIVAMENTE acento (PÔDE) para se distinguir de PODE (presente do indicativo).
FORMA (substantivo) tem FACULTATIVAMENTE acento (FÔRMA) para se distinguir de FORMA (verbo e substantivo).Mas ACORDO, ACERTO, CERCA, etc. (substantivos) OBRIGATORIAMENTE não têm acento e não se distinguem de ACORDO, ACERTO, CERCA, etc. (verbos). DEMOS (presente do conjuntivo) tem FACULTATIVAMENTE acento (DÊMOS) para se distinguir de DEMOS (pretérito perfeito).Mas PODEMOS (presente do indicativo) OBRIGATORIAMENTE não tem acento e não se distingue da forma PUDEMOS (pretérito perfeito).
E as formas com acentuação facultativa que o AO contempla AVERÍGUO, AVERÍGUAS, AVERÍGUA, ENXÁGUO, ENXÁGUAS, ENXÁGUA, DELÍNQUO, DELÍNQUES, DELÍNQUE, etc. dos verbos AVERIGUAR, ENXAGUAR, DELINQUIR? De que língua são? O que as distingue de certas formas incorrectas, muito correntes em Portugal, como FÁÇAMOS, PÓSSAMOS, TÊNHAMOS e SUPÔNHAMOS? E por que é que estas últimas não são então formas consagradas pelo uso?
Qual é a regra?
O que impedirá a mente criativa de crianças em idade escolar de gerar abdutivamente formas gráficas que nem a nova ortografia xenófila contempla? Os que as impede de FACULTATIVAMENTE introduzirem acentos circunflexos em palavras com Ê e Ô tónicos, se a nova ortografia unificada se baseia no princípio fonético, na consagração pelo uso e na facultatividade?
Como perceber o que é facultativo e o que é obrigatório? Como entender o que se mantém para distinguir e o que se não mantém apesar de distinguir? Como é que confusões destas contribuem para simplificar a ortografia portuguesa, outro princípio peregrino do acordismo? RACIONAMOS (pretérito perfeito) tem FACULTATIVAMENTE acento para se distinguir de RACIONAMOS (presente do indicativo). A vogal pré-tónica escrita A (o primeiro A) é fechada (na realidade, média).
FRACIONAMOS (pretérito) tem FACULTATIVAMENTE acento para se distinguir de FRACIONAMOS (presente). Tem também FACULTATIVAMENTE um C mudo — FRACCIONÁMOS ou FRACCIONAMOS (quatro formas correctas no total). Porquê? Porque no Brasil a consoante é pronunciada. Como no Brasil se escreve com C nós podemos escrever com C. E a vogal pré-tónica escrita A é aberta.
ACIONAMOS (pretérito) tem FACULTATIVAMENTE acento para se distinguir de ACIONAMOS (presente). OBRIGATORIAMENTE não tem um C mudo — ACCIONÁMOS ou ACCIONAMOS são erros ortográficos. Porquê? Porque no Brasil a consoante não é pronunciada: como no Brasil se escreve sem C em Portugal não se pode continuar a escrever com C. E a vogal pré-tónica escrita A também é aberta.
Se é possível escrever DECEÇÃO e RECEÇÃO com um P mudo FACULTATIVAMENTE — porquê? porque no Brasil se escreve com P — o que impedirá jovens estudantes de criarem formas analógicas como CORREPÇÃO ou INTERSEPÇÃO com P mudo, já que as formas actuais CORRECÇÃO e INTERSECÇÃO perdem OBRIGATORIAMENTE o C mudo e passam a ser erros ortográficos?
Repare-se que DECEÇÃO passa a ter um P mudo facultativo, não porque a letra E se pronuncie com vogal aberta (isso não tem importância nenhuma para os autores do Acordo, como eles próprios dizem — está escrito na Nota Explicativa do AO), mas porque no Brasil se escreve com P.
Ou seja, o meu P mudo, que até agora era euro-afro-asiático-oceânico e servia para indicar o timbre da vogal precedente, passará a ser brasileiro, e é por ser brasileiro e por não ser mudo na norma culta brasileira que eu vou poder continuar a escrevê-lo muda e ortograficamente em Portugal.
Alguém consegue explicar isto a miúdos de 10-12 anos apanhados entre ortografias? Para sabermos escrever bem em Portugal teremos de saber como se escreve bem no Brasil. Isto fará algum sentido para uma criança ou jovem em idade escolar ou para algum professor?
Alguém explique por favor como será um manual escolar unificado.
Haverá listas de formas com consoantes mudas facultativas e listas de formas com consoantes mudas proibidas? Com hífenes consagrados pelo uso e hífenes proibidos? Com acentos facultativos, obrigatórios e proibidos?
Terá de haver, forçosamente, pois não há discernivelmente regras que iluminem o uso da nova ortografia. Os professores, enquanto não conseguirem decorar essas listas, terão de andar sempre com elas debaixo do braço nas aulas e na correpção dos testes dos alunos.
Uma alternativa é o sábio conselho dos U2 de há quinze anos, nos tempos do Zooropa Tour: “WATCH MORE TV”. Ou seja, veja mais telenovelas brasileiras e aprenda português.
Os professores poderão FACULTATIVAMENTE ensinar as grafias que preferem? Cada professor e cada aluno escolherá a forma correpta que mais lhe agradar? Ou será por ano, ou por escola, ou por distrito?
E quando um professor fundamentalista que escreve Ps mudos (autorizados pela norma culta brasileira, bem entendido) faltar e for substituído por um professor fonético que não escreve Ps mudos? Muda a ortografia nesse dia na sala de aula?
E os encarregados de educação como farão para esclarecer os menores a seu cargo e os acompanhar nos seus estudos de português?
Aprender a escrever e a ler (que já agora, são coisas que o cérebro aprende separadamente) é uma tarefa portentosa e difícil, que requere a aquisição de hábitos, rotinas, regras, disciplina, repetição. Reiteração contínua de padrões, comportamentos e usos. Como se aprende sem estabilidade no processo de aprendizagem?
Quantas revisões da ortografia unificada se avizinham nos próximos anos para maximizar o princípio fonético, acompanhar o uso e unificar mais a acordortografia unificada?
Como foi possível chegar-se a este ponto em que se tem que explicar o obviamente inexplicável, e em que o obviamente inargumentável tem que ser argumentado ?
Que processo de involução cultural se abateu sobre nós que nos trouxe a esta conjuntura bizarra, em que o absurdo evidente do AO é que tem que ser explicado e demonstrado (como se não fosse evidente) e a sua não aplicação é que tem que ser justificada (como se ninguém percebesse o desastre que é)?
O colunista brasileiro Hélio Schwartsman escreveu sobre o AO, “quanto mais penso, mais fico revoltado. Toda a situação pode ser resumida como um conluio entre acadêmicos espertos e parlamentares obtusos.”
Não me satisfaz completamente, não explica tudo, mas faz algum sentido. É, pelo menos, um fragmento de explicação.
António Emiliano Linguista e filólogo Universidade Nova de Lisboa

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Barro negro de Molelos – Da tradição à modernidade

Molelos é terra de oleiros. A tradição do artesanato em barro negro está viva e de boa saúde. Aos artífices antigos têm-se juntado, ao longo dos últimos 20 anos, jovens oleiros que mantiveram vivos os costumes da terra. Neste momento, são sete os artesãos que se dedicam a tempo inteiro ao ofício. Entre aqueles que reproduzem o saber tradicional e os que procuram inovar, há um casal que se diferencia: Alexandra Monteiro e Carlos Lima partilham, há cerca de 20 anos, a existência e o fervor pela arte do barro negro. O lema é criar. Fazer novo. Fazer diferente. Carlos Lima tem 42 anos. É de Tondela. Andou pela ACERT nos primórdios da associação. Entusiasmou-se quando frequentou um curso de olaria organizado pela colectividade e, desde então, não mais deixou de amalgamar mãos, barro, roda e ideias. Passou por olarias onde aprendeu o processo de cozedura do barro numa ligeira cova escavada no solo chamada "soenga" usando lenha e caruma de pinheiro como combustível. Aprendeu como no final da cozedura se acrescentam ramos verdes ao forno tapando em seguida os orifícios de saída, provocando assim uma atmosfera carregada de carbono que se deposita sobre as peças e uma transformação físico-química dos óxidos metálicos das argilas devido ao monóxido de carbono. Aprendeu a brunir. A usar seixos do rio. Mas não era suficiente. Quis saber mais. Foi para Itália, onde frequentou um curso de cerâmica. Voltou para Molelos com ideias novas e na companhia da lisboeta Alexandra Monteiro que partilhava com ele o gosto pela olaria. Não têm conta os cursos que já frequentaram depois, de modo a aperfeiçoar técnicas. Não há dedos que contem as descobertas que têm feito juntos: a das peças que saem da roda para depois serem transformadas por mãos hábeis e criativas, a de estender o barro como se fosse massa, a das colagens, a da utilização do pó de talco no polimento da textura das peças. “Antigamente”, conta Alexandra Monteiro, “99 por cento das peças saíam directamente da roda e, agora, já fazem medalhas e fruteiras. Muitas peças eram deitadas foram porque rachavam na cozedura e, connosco, os outros oleiros aprenderam que, usando vinagre, as rachas podem ser tapadas”. “No entanto”, diz Alexandra Monteiro, “há descobertas que se fazem de forma solitária. Os materiais que vamos experimentando, as formas criadas ao passo da roda, as texturas que inventamos. Temos de ir tacteando até encontrar a forma que, afinal, estava na nossa cabeça.” Muitos têm sido os prémios conquistados pelo casal de oleiros. A recompensa tem chegado através de convites para participarem em feiras nacionais e internacionais. A mais recente levou-os a Barcelona. “Pela primeira vez”, anuncia Carlos Lima, “artesãos portugueses foram convidados a expor os seus trabalhos na Catalunha”.

Arte de tanoeiro viva em Campos de Besteiros

A arte da tanoaria é uma herança de família. José Godinho, o único tanoeiro do concelho de Tondela e um dos derradeiros do distrito de Viseu. Começou a fazer pipos com 14 anos. “ Cá em casa toda a gente fazia pipos. Éramos cinco e todos trabalhávamos”, diz o tanoeiro enquanto vai mostrando a oficina artesanal, em Campo de Besteiros. Pipos de vários tamanhos, uns terminados, outros por acabar, acumulam-se pela área de trabalho. Mas nem só de barris vive a arte da tanoaria. “Hoje em dia, já poucos pipos se vendem. Só para pequenos produtores de vinho”, diz. Para enfrentar os novos tempos, o tanoeiro dedicou-se, então, ao fabrico de peças decorativas. Das suas mãos nascem mesas, bancos, móveis de cujo interior sobressaem garrafinhas miniaturais, pequenos moinhos de madeira para colocar nos jardins. Tudo para, segundo ele, “manter vivo o legado dos pais, que muito trabalharam”. As marcas de uma vida de trabalho espreitam, aliás, no rosto da mãe do artífice. Vergada pelo peso dos anos e da muita labuta, Maria de Jesus, mantém, aos 85 anos, a lembrança de “tempos mais difíceis”. Tempos idos em que, “sozinha, a pé, e de pipos à cabeça, ia vender à feira de Tondela”. Aprendeu a arte para ajudar o marido e, quando ele adoeceu, foi ela que deitou mãos à obra para ganhar o sustento dos filhos. De sorriso sempre pronto, confessa que ficou “contente que o filho tenha mantido o legado da família”. E acrescenta: “ Já tenho um neto a aprender o ofício. Tem 28 anos e chama-se Adão como o meu marido”. Na história desta família de tanoeiros de Campo de Besteiros, no concelho de Tondela, há, segundo José Godinho, “um momento alto”. Foi contratado, durante a Expo 98, para fazer os pipos que adornaram a Caravela D. Fernando. No entanto, o tanoeiro considera-se “desprezado” pelo poder institucional. “Não há divulgação nem apoios”, acusa o artífice, sublinhando que tem ido a feiras mostrar o seu trabalho, “mas o custo das deslocações e estadia não compensa”. E remata: “Sem o apoio da Câmara Municipal de Tondela, não é fácil”. Sobre o futuro da arte da família, o herdeiro da arte de Adão Godinho não quer arriscar. Pai de duas meninas, não quer para as filhas o ofício de tanoeiras. “Não é para mulheres”, exprime. E explica: “Apesar de ser filho de uma tanoeira e de a família ter sobrevivido à custa da arte, não é esta vida que desejo para elas”.

terça-feira, 13 de maio de 2008

Porque me apetece

sexta-feira, 25 de abril de 2008

25 de Abril Sempre

Um Homem no centro de uma praça chamada Liberdade: Salgueiro Maia

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Ruas de Viseu, caminhos de vida

Uma visita pela cidade de Viseu é o que lhe propomos para um fim-de-semana de sol. Não à cidade monumental. Nem mesmo à cidade do Palácio do Gelo recentemente inaugurado. Mas às ruas e ruelas deste velho burgo de Viriato, D. Duarte e Augusto Hilário.

O Rossio das crianças ao sol alimentando pombas com as suas mãos pequeninas; dos leitores de jornais sentados nas esplanadas; do carrossel com os seus cavalos coloridos girando e fazendo girar as cabeças dos petizes.
Sugerimos que se adentre no Parque Aquilino Ribeiro, que honra o escritor beirão (13 de Setembro de 1885 — 27 de Maio de 1963), e aproveite a sombra de uma das grandes árvores.
Ou então, que suba a Rua Formosa, ladeada por casas de comércio tradicional e edifícios Arte Nova. O Mercado Municipal projectado por Siza Vieira completa o retrato. Transversal à Rua Formosa, eis a Rua do Comércio onde o trato educado dos comerciantes é tão antigo como o tempo e como a honradez deles.
Ao lado da Rua do Comércio, a Rua Direita com lojas “à moda antiga” e mercadorias à porta para aliciar quem passa.

Ambas as ruas desaguam na Praça D. Duarte, 11º Rei de Portugal, que do alto da sua estátua vigia a Rua Augusto Hilário, conhecido fadista, expoente máximo do fado e da canção de Coimbra, falecido com apenas 32 anos de idade. Com a mesma idade morreu Augusta Cruz, cantora lírica, que, antes de dar nome à rua vizinha, percorreu os palcos de Itália, Polónia, México, Cuba e Brasil.

Espreite, na Rua D. Duarte, a mais bela janela manuelina da cidade, que o cónego Pêro Gomes de Abreu mandou rasgar no século XVI.
Da Praça D. Duarte ao Adro da Sé é um pulinho. A Sé Catedral, o Cruzeiro, o Museu de Arte Sacra, a Igreja da Misericórdia, o Museu de Grão Vasco e a Fonte das três Bicas regalam-lhe o olhar antes de chegar ao Largo do Pintor Gata (que se chamou em vida José d´Almeida Furtado, 1778 – 1831), e encontrar a Porta do Soar, não sem antes ter passado pela Capela Nossa Senhora dos Remédios.
Descanse num dos cafés e bares antes de descer até ao Jardim das Mães onde pode ver a carinhosa imagem de um menino dormindo no colo de sua mãe, que o escultor Oliveira Ferreira cinzelou em bronze, homenageando desta forma a terra de sua mãe.
De novo no Rossio, que nem todos sabem chamar-se também Praça da República. Passear pelas ruas históricas de Viseu, é, ao mesmo tempo, entrar pelas portas do futuro adentro com a cumplicidade testemunhal de um longo, profundo e inesquecível passado.

domingo, 20 de abril de 2008

(Sr. Ângelo e Chico)
É muito bonito ter olhos de cão, ser humano dentro.Não adianta nada para a vida, mas é bonito.Os homens da rua da minha infância ou eram cães ou não eram homens.Havia oliveiras, o merceeiro sabia-nos os nomes,encontrávamo-nos todos em pontuaiscasamentos e funerais.Não sei de onde me perdi, quando, cinzas remexendo,me desencontro noutra cidade, numa cidadedesprovida de infâncias.É muito bonito ter olhos de cão na rua,ao frio e ao vento, as árvores relvadas pelo musgo do tempo, de uma vítrea babade caracóis.

Sinfonias de Alice Campos

Dissonâncias

eu sou dos cães o latir, da idade o pressentir e do sonho o resistir. venho debaixo do seio por este meio no leito do teu peito. eu quero dizer o sabor da fruta, ser-lhe polpa e caroço, mordê-la antes de ti. vou da tua boca à beira de outra boca, à beira de outro ser. as minhas filhas são as que das outras bocas nascem, as que dos outros seres se inventam. guardada atrás dos olhos sou-lhes o brilho, a serena expressão das águas. fechada dentro da mão sou a palavra inquieta, os dedos do afecto. e, se de um extremo ao outro da terra, houver uma árvore descalça, sou um segredo do vento, uivo à solidão. eu sou o nome das ruas, a dor das escadas, a inaudível flor nocturna. em mim, existem os astros, as areias minúsculas, todas as coisas divinas e nauseabundas. de prostituta a santa, eu posso ser a alma do mar, o que religa o céu aos desenhos das crianças. no ventre das cidades, das temperaturas registadas no teu corpo, eu sou a dança. eu sou o mito das canções. chamo-me voz.

Esta poeta tem que dizer: Alice Campos

terça-feira, 25 de março de 2008

sexta-feira, 21 de março de 2008

Homem vive em palheiro às portas de Viseu

É alcoólico. Perdeu-se da vida. Ou a vida perdeu-se dele. Tanto faz. Hermínio vive num palheiro, ou melhor, na metade do palheiro que lhe coube nas partilhas familiares. Tem 56 anos e há mais de 10 que conhece apenas o caminho de casa para os cafés da aldeia e dos cafés para o “jazigo” que lhe serve de morada. “Puseram-me aqui para morrer”, acusa.

Numa divisão que faz as vezes do quarto, da cozinha e da casa-de-banho, há roupa a secar numa corda. Ao canto, um fogão de campismo jaz sobre uma mesa. Mesmo ao lado, uma retrete que Hermínio cobre com uma caixa de papelão. Um frigorífico vazio enche o resto do compartimento. Em Lustosa, freguesia de Ribafeita, concelho de Viseu, toda a gente o conhece. Os habitantes locais habituaram-se, há muito, a vê-lo passar montado na sua motorizada a caminho de um dos cafés.

No “Central”, o proprietário defende-lhe a bonomia “quando não está com os copos”. Afirma já ter recusado servir-lhe vinho e que, nessas alturas, Hermínio se zanga com ele, desaparecendo durante semanas. “Até já quis levá-lo a Coimbra, ao Sobral Cid, para que ele se tratasse. Há mais de dez anos que ando a tentar”, queixa-se Amadeu Carvalho.

No balcão do café, a mulher de Amadeu, Ilda Ascensão vai servindo cafés e cálices de aguardente aos clientes que entram no estabelecimento. É raro o homem que, com o café, não beba um “cheirinho”. Enquanto organiza copos, chávenas e colheres, Ilda conta que houve uma rapariga de Águeda que veio atrás de Hermínio. “Gostava dele. Se ele tivesse deixado os copos, a rapariga teria ficado por cá”, diz.

Hermínio foi, em tempos, condutor de veículos pesados. Hoje vive do Rendimento de Inserção Social e dos favores dos vizinhos. Visitado frequentemente pelas técnicas de serviço social, é considerado um caso de risco. A população quer interná-lo. Ele não quer ser internado. Amadeu diz que mais dia, menos dia, se ele não for tratado, morre. “De cirrose, no resultado de uma zaragata, ou num acidente com a motorizada ”, prenuncia.

O muro da discórdia

Entretanto, no palheiro, Hermínio insurge-se contra o muro que divide a sua metade e a metade do irmão. Foi ele que construiu a parede, mas culpa o irmão de lhe roubar vinte centímetros de espaço.

Devido às desavenças entre os irmãos, Custódio Ferreira, presidente da Junta de Freguesia de Ribafeita, não pode recuperar o compartimento. “Chove lá como na rua. Queria dar-lhe condições de dignidade, mas assim não é fácil”, lamenta o autarca, que explica a dificuldade de candidatar o palheiro a um programa de reabilitação do município de Viseu. “O palheiro não é uma habitação e, se os irmãos não se entendem, eu não consigo fazer nada”, diz.

Se não houver soluções, Hermínio vai continuar a viver numa divisão em que se amontoam cama, mesa e retrete. E a tomar banho de regador. A água, saída do poço, corre-lhe fria pelo corpo, quer no Verão, quer no Inverno.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

A melhor amiga do Victor

Saracoteando as gordas ancas pela estrada fora, a porca Ruça segue atrás do dono. Vai ao café do ‘Francês’. Escolhe, para isso, o passeio de terra batida. “O alcatrão magoa-lhe as patas”, explica Victor Tavares, o proprietário do animal que, há já quatro anos, escapa à tradicional matança do porco. Diz não ser capaz de matá-la e que “vai morrer de velha”. No estabelecimento comercial, em Carvalhais, concelho de S. Pedro do Sul, ninguém estranha a chegada de Victor e da sua porca. “É como um cão. Segue-o para todo o lado”, dizem à porta do café e em toda a aldeia.

A habilidade da Ruça já chegou a ser motivo de aposta. “Um amigo meu não acreditava que ela anda atrás de mim para todo o lado e apostou 50 euros. A meio do caminho, desistiu”, conta Victor Tavares, que gosta de ver os animais à solta pela quinta. E, chamando a atenção para a cor rosada da Ruça, acrescenta: “É como com as pessoas: se tiverem liberdade, têm melhor cor”.

Foi, aliás, por Ruça andar muitas vezes à solta, que Victor se deu conta de que a porca o seguia por toda a propriedade enquanto ele trabalhava. Os passeios pela quinta e por toda a aldeia tornaram-se uma rotina que já nenhum dos dois, nem ele nem ela, podem dispensar. Está na hora do regresso dos dois a casa. O caminho é feito com lentidão. Inclui paragens. Ruça estanca à porta da morada do pai de Victor. Força o portão do curral. “Vai ver os filhotes”, comenta o dono, enquanto a ajuda a entrar para a loja onde se encontram leitões, galinhas e garnizés. A porca ronca aos filhos em jeito de cumprimento. É difícil fazê-la sair, de novo, para a rua. Victor apela, então, ao estômago de Ruça. Sem nunca usar de violência nem levantar nunca a voz, oferece-lhe ração dum balde que lhe coloca à frente do focinho. A porca segue-o.

Mais à frente, outra paragem. “É a casa do padeiro. Cheira-lhe a farinha”, explica o dono. Vagarosa, Ruça abandona a ombreira da casa do padeiro e faz-se ao caminho. Vai comendo as ervas do passeio. “ Anda, Ruça, que eu tenho de ir trabalhar”, pede Victor. Mais uns passos e ei-los em casa. Para que o animal entre no curral, existe um segredo só dos dois, até agora. “Tenho de entrar primeiro e chamá-la. Ela entra e fecho a porta. Depois, eu salto o portão”, ensina Victor. Tudo indica que sempre assim vai ser. Até que a morte os separe.

Cerieiro artesanal de S. Pedro do Sul é único no País

Em Carvalhais, no concelho de S. Pedro do Sul, toda a gente conhece o cerieiro António Tavares. É o único do País que ainda trabalha de forma artesanal. Tem 69 anos de idade. Trabalha há 60, tendo aprendido o ofício com o pai. Os cortiços das abelhas não têm segredos para ele. As encomendas de lâminas de favos para as colmeias chegam de todo o continente, das ilhas e, até, de Espanha.

No barracão de madeira construído por ele, os utensílios artesanais misturam-se com os brinquedos dos netos, uma televisão de onde irradia o programa da Fátima Lopes e uma salamandra que aquece o ambiente. A mulher, o filho e a nora ajudam na arte. Duas cadelas preguiçam ao pé do lume. “O processo é idêntico ao do azeite. Os favos chegam aqui sujos. Vão para o lagar onde são centrifugados. O mel sai para um lado, o lixo e o pólen para outro e a cera limpa para outro. Depois, fazem-se umas barras como as do sabão azul”, explica o artífice.

Começa, então, o trabalho de equipa. A família distribui-se pela maquinaria artesanal. As barras, de um castanho claro, passam para as mãos de Fátima, a nora de António Tavares, que a deita para um caldeirão de água quente a fim de derretê-la em “banho-maria”. O caldeiro, engenhoca inventada por Victor, filho do cerieiro, tem um filtro que separa a sujidade da cera, que assoma à superfície. “Tal e qual o café”, conta o ancião. Uma tábua de cozinha, introduzida na vasilha, faz o resto: a cera, de um amarelo translúcido, adere e sai em finas lâminas, que Maria, mulher de António, introduz em água e, seguidamente, numa máquina, cunhando com alvéolos as placas.

Do lado oposto, António Tavares espera. Nas mãos segura uma régua, recebendo com cuidado as chapas marcadas com pequenos favos. Nessa altura, já Victor está a postos para as cortar em pequenos rectângulos, que se juntam ao amontoado correspondente a uma encomenda, que há-de atravessar o oceano, em direcção à Madeira. “Esta é boa. É de mil quilogramas. Vai render mil euros”, diz o artesão. E conclui: “As contas aqui não se fazem ao fim do mês. Fazem-se no fim do ano”. O negócio rende pouco, mas mantém a família unida em torno de uma arte que já vem de longe.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Edição de terça-feira, dia 29 de Janeiro de 2008

Bem-vindos ao Anoitecer ao Tom Dela. A convidada de hoje da rubrica Interiores é Dalila Rodrigues.

Fotografia de Nuno Ferreira

Dalila Rodrigues nasceu há 47 anos no concelho de Penedono. Tem sete irmãos e uma filha com 21 anos. Doutorada em História de Arte, é considerada uma das maiores especialistas em pintura portuguesa antiga, sobretudo de Grão Vasco. Foi directora do Museu Grão Vasco (MGV), em Viseu, entre 2001 e 2004. Em Novembro de 2004 foi nomeada directora do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA) pela então ministra da Cultura, Maria João Bustorff. Foi afastada do cargo em 2007 por Isabel Pires de Lima, actual ministra da Cultura, depois de ter criticado o modelo de gestão em vigor para os museus.

Dalila Rodrigues defendia a autonomia financeira e administrativa do MNAA relativamente ao Instituto dos Museus e da Conservação e a articulação directa do museu com o gabinete da ministra da Cultura. Muita tinta correu depois do afastamento da antiga directora do MNAA. Uma petição deu lugar a muitas assinaturas de gente que protestou contra a decisão do Ministério. A tinta continuou a correr em jornais e revistas. Artigos de opinião, entrevistas e comentários anónimos manifestavam posições contra e a favor de Dalila Rodrigues. A historiadora cansou-se da “história” e refugiou-se dos olhares de fotógrafos e jornalistas. Escreveu um livro intitulado, simplesmente, “Grão Vasco”, que apresenta amanhã, no Teatro Viriato, em Viseu. Foi como autora desse livro que acedeu dar esta entrevista.

A conversa com Dalila Rodrigues vai para o ar após as 21h.

Depois, há uma história. É da autoria de Daniel Abrunheiro e chama-se "Avenida Lázaro".

Entre as 23h e as 24h, na rubrica Filhos da Madrugada, homenageamos Janis Joplin.